Death Note (2017)

Death Note (2017), longa-metragem dirigido por Adam Wingard e escrito por Jeremy Slater, com atuações de Nat Wolff, Keith Stanfield, Margaret Qualley, Willem Dafoe, Shea Whigham, entre outros.

Sem revelações significativas do enredo.

            O histórico de adaptações de animes e mangás para o cinema não é muito bom. Os fãs de quadrinhos e animações japonesas já haviam tido o desprazer de assistir, em 2009, a Dragon Ball Evolution, um filme deplorável sob diversos pontos de vista. Neste ano de 2017, foi a vez de Ghost in the Shell, que, a exemplo de Dragon Ball, conseguiu desagradar tanto os críticos quanto os fãs. É triste dizer que Death Note se junta a esse time de fracassos.
            É difícil, a propósito, encontrar alguém jovem que não conheça Death Note, mesmo que superficialmente. Trata-se de um anime/mangá sobre a história de um estudante que encontra um caderno da morte, como o próprio nome sugere. A pessoa que tiver seu nome escrito no caderno morrerá. Para quem não conhece ou conhece apenas superficialmente, a premissa pode parecer boba, mas a história de Tsugumi Ohba e Takeshi Obata possui personagens e temas realmente interessantes, tais como justiça e livre arbítrio. O novo filme live action baseado no anime/mangá, produzido pela Netflix, se baseia na mesma premissa. Light Turner (Nat Wolff) é um estudante do ensino médio da cidade de Seattle, nos Estados Unidos. Inteligente, ele ganha trocados fazendo a lição de casa de outros alunos. Em um dia qualquer em sua vida monótona, ele encontra o tal caderno e é instigado por uma entidade maligna chamada Ryuk (Willem Dafoe) a testá-lo. Ao tomar ciência de seus poderes, o adolescente, junto com a colega Mia Sutton (Margaret Qualley), decide usar o objeto para transformar o mundo, eliminando terroristas e criminosos de alta periculosidade. É claro que eventualmente a polícia toma ciência dos acontecimentos e passa a investigá-los.
            Nesse sentido, o longa da Netflix, dirigido por Adam Wingard, toma diversas liberdades com relação ao seu material de origem. Fora a ocidentalização da trama, que justifica a mudança de etnia dos personagens, o filme cria novas motivações e personalidades para estes e novas regras para o caderno. É generoso dizer que o filme “cria novas motivações para os personagens” já que, neste Death Note, as motivações e o desenvolvimento dos personagens são extremamente rasos. Alguns podem dizer que a duração do filme (que é realmente bastante curta, apenas 1 hora e 40 minutos) atrapalha esses objetivos, mas posso lembrar o exemplo recente de Moonlight: Sob a Luz do Luar (o qual cito simplesmente por estar fresco na memória), que, com apenas dez minutos a mais, consegue realizar, com relação a seus personagens, aquilo que Death Note é incapaz. É claro que a história deste último, se levarmos em conta a riqueza de seu material de origem, é muito mais complexa, o que torna a decisão de condensar 37 episódios do anime em apenas 100 minutos muito difícil de entender. O ritmo do filme é apressado, e a curta duração das cenas apenas contribui para aumentar essa impressão. Em muitos momentos, parece que o que estamos vendo é uma versão em longa-metragem de uma série com, pelo menos, oito episódios.
            Não bastasse isso, o roteiro assinado por Jeremy Slater consegue ser bem problemático, seja ao criar um conflito artificial entre Light e seu pai (Shea Whigham), na cena em que aquele fica com raiva deste pelo fato de o assassino de sua mãe ter sido solto da prisão após pagamento de fiança (ora, Light é tão inteligente, mas não entende que isso é algo que foge inteiramente do controle de seu pai, já que ele é simplesmente um policial?), seja ao justificar a criação de um deus como Kira, “um deus que assuste as pessoas o bastante para elas não quererem ser criminosos”. Sim, isso é realmente dito por um dos personagens. Além de criar diálogos ineptos, o roteiro ainda é preguiçoso ao fazer com que Watari seja realmente o nome do assistente de L (Keith Stanfield) – no anime/mangá, Watari é um pseudônimo –, o que serve basicamente para facilitar o andamento da trama. O motivo para Light intitular-se como Kira, por outro lado, não é dos piores, faz até sentido dentro daquele contexto.
            A atuação de Nat Wolff me incomodou um pouco pelas caretas estranhas, mas o ator de Cidades de Papel (2015) até que se sai bem no papel de Light, que é – vale dizer – um Light bastante diferente daquele visto no anime/mangá. O L de Keith Stanfield possui os mesmos trejeitos e manias do da obra original, mas também difere deste em alguns aspectos, como em relação à inteligência. Stanfield incorpora relativamente bem tais trejeitos, mas não está tão bem como em Corra! (2017). Willem Dafoe, por sua vez, faz um ótimo trabalho de voz para encarnar Ryuk, apesar de os efeitos visuais que criam o personagem serem um tanto limitados (o que explica o porquê de este ser visto quase sempre imerso em sombras). O resto do elenco também é competente. As atuações de fato estão longe de ser um ponto negativo do filme.
            Diretor com experiência em filmes de suspense e terror, Adam Wingard acrescenta elementos dessas produções em Death Note, com direito a referências a Seven – Os Sete Crimes Capitais (1995) e à franquia Premonição (2000-2011). O filme, é bom lembrar, é classificado para maiores de 16 anos e conta com violência gráfica e linguagem forte.
            Um último ponto que pode ser discutido sobre Death Note é a sua seleção musical. As músicas, além de ruins, tocam em momentos bastante inapropriados. São músicas bregas e extremamente literais, como I Don’t Wanna Live Without Your Love, da banda Chicago, que toca na cena da roda gigante próxima ao final do filme. A cena final conta com The Power of Love, originalmente de Jennifer Rush, que o leitor deve conhecer na voz da cantora brasileira Rosana (sim, é esse o nível). A versão desta leva o título de O Amor e o Poder.
            Em suma, Death Note é fruto de uma série de decisões ruins por parte de sua equipe criativa. Os fãs certamente dirão que seus personagens adorados foram “descaracterizados” (o que não deixa de ser verdade), que a falta de fidelidade ao material original prejudicou esta adaptação cinematográfica, mas as liberdades tomadas com relação ao anime/mangá pouco fariam diferença se o filme fosse pelo menos bom. E isso é algo que Death Note passa longe de ser.

Avaliação: 1/5

Originalmente publicado no extinto site Papo Torto, em 27 de agosto de 2017.


Renan Almeida é doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília. Possui mestrado e bacharelado também em Ciência Política pela mesma universidade. Apaixonado por cinema, literatura e quadrinhos, escreve resenhas e análises de filmes, livros e HQs.

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