Indicados a Melhor Filme - Oscar 2021

 Sem revelações significativas sobre o enredo dos filmes comentados

 

Bela Vingança, de Emerald Fennell

Anos após abandonar a faculdade de medicina devido a um trauma sofrido por sua melhor amiga, Cassandra Thomas (Carrey Mulligan) trabalha como atendente em uma cafeteria durante o dia e frequenta boates durante a noite, onde finge embriaguez para encurralar homens que buscam se aproveitar de sua condição. A premissa de Bela Vingança é realmente instigante, mas sua execução é bastante insatisfatória. Concebido como uma espécie de fantasia de vingança, o filme aborda temas muito atuais e relevantes, especialmente após o movimento #MeToo, que expôs o sexismo e a cultura de estupro e abuso sexual em Hollywood. Antes de tudo, o longa acerta ao retratar o principal subterfúgio usado por muitos homens ao serem expostos como abusadores: afirmarem que são “caras legais”, que não são como os outros homens, estes sim aproveitadores e não confiáveis. O arquétipo do “cara legal”, aliás, já foi muito bem explicado em um vídeo do canal The Take. A diretora e roteirista Emerald Fennell também é perspicaz ao mostrar como, após participarem do trauma sofrido pela amiga da protagonista, todos os envolvidos seguem vivendo suas vidas normalmente, eximindo-se da própria responsabilidade, por ação ou omissão, enquanto seguem culpando a vítima. É significativo que essas pessoas sequer pensem com frequência no acontecimento, ao passo que Cassandra jamais consegue superá-lo. Apesar dessas virtudes, o desenvolvimento da história é bastante problemático. Algumas atitudes de personagens simplesmente não fazem o menor sentido, servindo, tão somente, para mover a trama de maneira artificial, como, por exemplo, quando a personagem de Alison Brie entrega certo vídeo para a protagonista. Além disso, o filme demora a revelar ao que se propõe, a ponto de, quase uma hora após seu início, eu ainda não ter entendido qual era o propósito do projeto, o que evidencia, entre outras coisas, um problema grave de ritmo. Esperei por um puxão de tapete semelhante àquele de Parasita, de Bong Joon-ho, mas quando ele aconteceu permaneci de pé, tamanha a previsibilidade da reviravolta. Por fim, Bela Vingança me decepcionou por sua trama excessivamente simples, que não faz justiça à ótima premissa, acho que o filme é pé no chão demais para o seu próprio bem.

Avaliação: 2/5

 

Judas e o Messias Negro, de Shaka King

Fred Hampton tinha apenas vinte anos de idade quando se tornou líder do Partido dos Panteras Negras em Illinois. Um ano depois, ele foi assassinado pelo FBI e pela polícia de Chicago. Antes disso, ele conseguiu montar uma coalizão multirracial que reuniu negros, porto-riquenhos e brancos pobres para lutar contra o racismo e a opressão econômica. Judas e o Messias Negro, de Shaka King, conta a história de como a execução de Hampton (Daniel Kaluuya) foi facilitada por William O’Neal (Lakeith Stanfield), um informante do FBI infiltrado nos Panteras. O messias do título faz referência à afirmação do execrável J. Edgar Hoover (interpretado muito bem no filme por Martin Sheen) sobre a necessidade de impedir o surgimento de um “messias negro” capaz de unir os comunistas, os movimentos antiguerra e a Nova Esquerda. Para perseguir esse objetivo, o antigo diretor do FBI (cujo QG leva até hoje seu nome) fez o que fazia de melhor: usar de meios extralegais e semear a discórdia entre os diferentes grupos ativistas. Nesse sentido, é oportuno observar como o agente Roy Mitchell, vivido pelo ótimo Jesse Plemons, tenta convencer O’Neal acerca da correção de suas ações, estabelecendo uma equivalência absurda entre o Partido dos Panteras Negras e a Ku Klux Klan. E se Plemons está bem como lhe é habitual, o mesmo podemos dizer de Lakeith Stanfield, que encarna seu personagem como um sujeito complexo, que, embora possua motivações egoístas, aos poucos se mostra suscetível ao discurso daqueles a quem espiona. O ator é bem-sucedido em dar vazão aos conflitos internos do personagem. Daniel Kaluuya, que já havia apresentado uma excelente performance em Corra!, compõe seu Fred Hampton de modo a deixar claro para o público o porquê de as pessoas o seguirem. Por fim, Judas e o Messias Negro ainda contém um relevante comentário, feito durante uma conversa entre Hampton e a mãe de um de seus companheiros abatidos, sobre como sobreviver é importante e, como disse Patricia Hill Collins, também é uma forma de resistência. O filme de Shaka King não esconde a radicalidade da luta de seu “messias”, e àqueles que atribuem sua morte a seu discurso e prática “violentos”, basta lembrar que o reverendo Martin Luther King Jr., que era pacifista, também foi assassinado em razão de suas ideias.

Avaliação: 4/5

 

Mank, de David Fincher

Cidadão Kane é um filme que sempre figura nas listas de melhores de todos os tempos, com frequência ocupando o primeiro lugar. Já é bem conhecida a saga do jovem prodígio que o dirigiu e nele atuou, tendo enfrentado a fúria de William Randolph Hearst, o magnata da imprensa que se reconheceu na figura do protagonista. O que não é bem conhecida é a história do genial escritor que realizou o roteiro do filme e quase não recebeu créditos por isso. Essa é a história que Mank pretende contar, e o escritor em questão é Herman Mankiewicz, um talentoso roteirista que trabalhou em inúmeras produções entre os anos 1920 e 1950. É claro que o que o novo longa-metragem de David Fincher conta é um lado da história. Embora não seja incomum que na indústria do entretenimento autores sejam alijados de seus direitos como criadores, o fato é que a extensão da contribuição de Orson Welles ao roteiro de Cidadão Kane ainda é disputada. Mesmo que a versão contada em Mank seja completamente fidedigna, um bom filme não depende exclusivamente de um bom roteiro, e o talento de Welles como diretor continua merecendo reconhecimento. Curiosamente, os principais problemas de Mank residem justamente em seu roteiro. Sem a menor preocupação em ser didático, o roteiro de Jack Fincher (pai falecido do diretor) encontra enormes dificuldades para estabelecer como os eventos mostrados se conectam uns aos outros. Embora seja interessante conhecer a política por trás dos bastidores da indústria, o espectador pode acabar se encontrando na desagradável posição de não compreender a importância de certos acontecimentos para a trama. A decisão de não fazer referências diretas ao clássico da RKO contribui para que essa possibilidade se efetive. Dito isso, ainda é possível apreciar o filme a partir de seu cuidadoso design de produção, que recria a Hollywood dos anos 1930 e 1940 de forma admirável. Para nos transportar àquela época, o longa de David Fincher ainda inclui as clássicas queimaduras de cigarro no canto superior direito da tela (cujo propósito é bem conhecido por aqueles que assistiram a Clube da Luta). Ainda assim, nada disso salva Mank de ser uma grande decepção, principalmente por vir de um cineasta normalmente tão competente.

Avaliação: 2,5/5

 

Meu Pai, de Florian Zeller

Poucos filmes conseguem o feito de deixar o espectador intrigado já em seus primeiros minutos. Meu Pai, primeiro longa-metragem do dramaturgo francês Florian Zeller, consegue realizar essa façanha com primor. Adaptado de uma peça do próprio diretor, o filme acompanha Anthony (Anthony Hopkins), um idoso de oitenta anos que resiste às tentativas de sua filha Anne (Olivia Colman) de lhe impor cuidados especiais por conta de sua avançada idade e de seu estado de saúde. No entanto, os eventos passam a tomar um rumo estranho, sem que o protagonista consiga acompanhá-los e entender o que está acontecendo, levando-o a duvidar de sua própria mente e realidade. Esperando não cometer nenhum exagero ou injustiça, posso afirmar que Meu Pai é uma das melhores representações de distúrbios mentais que o cinema já criou. É fascinante observar como fragmentos de memórias se desprendem e depois se unem, fazendo nomes e rostos se misturarem e o tempo cronológico não fazer sentido. O fato de Anthony constantemente perder seu relógio, aliás, funciona como uma metáfora perfeita de sua condição. Tudo o que vemos ao longo de noventa e sete minutos é, de certa forma, real, ou ao menos uma aproximação da realidade, uma reencenação caótica de eventos que se sucederam em diferentes momentos e contextos. A angústia que experimentamos é próxima àquela que sente o personagem de Hopkins em sua desorientação. Algo que posso dizer sem medo de exagerar é que a performance do ator galês figura entre as mais extraordinárias de sua longa carreira. Ele transita da segurança à vulnerabilidade com perfeição. Também digna de enaltecimento é a direção de arte, que concebe novos ambientes a partir das similaridades com ambientes anteriores, e aqui mais uma vez o filme representa como lembranças se emaranham num todo confuso (imagens do apartamento de Anthony, por exemplo, se confundem com as do apartamento de sua filha). Em síntese, Meu Pai é uma obra magnífica, que embora incrivelmente envolvente, também é terrivelmente triste.

Avaliação: 5/5

 

Minari: Em Busca da Felicidade, de Lee Isaac Chung

Uma família coreana se muda para o Arkansas, no interior dos Estados Unidos, em busca de novas oportunidades. Decidido a cultivar uma fazenda rentável em um solo ainda inexplorado, Jacob (Steven Yeun) precisa convencer sua esposa (Han Ye-ri) do potencial do empreendimento, enquanto ambos tentar criar os filhos no limiar entre duas culturas. Retratando os desafios que essa família encontra em seu caminho, Minari se destaca por explorar as subjetividades de cada um de seus membros com muito respeito e sensibilidade, concedendo, inclusive, bastante destaque às crianças, principalmente ao pequeno e adorável David (Alan Kim), que diverte e encanta a audiência. As interações entre o menino e sua avó, vivida de maneira cativante por Youn Yuh-jung, estão entre os melhores aspectos do filme. Com a oportunidade de examinar diferentes perspectivas, somos perfeitamente capazes de entender o sentimento de isolamento de Monica, a obstinação e crescente frustração de Jacob, bem como a apreensão das crianças diante dos desentendimentos de seus pais. A belíssima trilha sonora de Emile Mosseri representa bem a atmosfera da história, surgindo nos momentos mais apropriados. Concentrando-se na beleza das relações interpessoais, o longa de Lee Isaac Chung questiona o que verdadeiramente constitui um lar, e o faz de forma enternecedora, mas também com muito bom humor. Cuidadoso em seus pequenos detalhes, Minari conta com um ótimo design de produção, além de estabelecer bem os elementos que serão relevantes para o desenvolvimento do enredo. Gosto, particularmente, de como a condição de David é ilustrada com a ajuda dos efeitos sonoros e de como sua impossibilidade de correr livremente institui uma dinâmica que, ao final, recompensa o espectador. Além do elenco principal, também os atores secundários se mostram bastante competentes. Aqui, não há como não citar o trabalho de Will Patton, que convence como um homem bondoso, mas com sérios problemas relacionados ao fardo de ser um veterano de guerra. Ao fim e ao cabo, a resiliência da planta que dá título ao filme tem muito a ver com a resiliência daquela família de imigrantes.

Avaliação: 4/5

 

Nomadland, de Chloé Zhao

Vivida brilhantemente por Frances McDormand, Fern é uma mulher madura que, após perder o emprego e a casa na recessão de 2008, passa a viver em seu furgão como uma nômade. Pulando de emprego em emprego, ela viaja pelos Estados Unidos enquanto encontra e reencontra pessoas que compartilham seu estilo de vida. Escrito, dirigido e editado por Chloé Zhao, Nomadland mostra como nem sempre a vida na estrada é fruto de uma escolha autônoma, sendo em muitos casos uma imposição das circunstâncias econômicas. Empresas como a Amazon, inclusive, têm aumentado seus lucros empregando essas pessoas em condições de trabalho precarizadas.  O filme, contudo, não se propõe a tratar dessas questões mais amplas, focando na experiência dos indivíduos que vagam pelo país e compartilham histórias e aprendizados entre si. Fazendo uso de planos abertos para ressaltar a solidão da protagonista, Nomadland assume, em alguns momentos, uma linguagem quase documental, por meio da filmagem com a câmera na mão. Também pode ser interpretada nesse sentido a opção de trazer não atores para o projeto, que realmente seguem aquele estilo de vida e mantêm como nomes de personagens seus nomes da vida real. Assim, é fascinante conhecer as dores e amores daquelas pessoas, que, mesmo diante de todas as complicações, conseguem manter um sentimento de solidariedade e companheirismo em relação os outros. E se a vida de errante pode oferecer desafios, também pode proporcionar momentos de satisfação, derivados de um maior contato com a natureza e daquele sentimento de prazer com a reclusão, que pode ser traduzido na ideia de solitude (muito bem explicada por Max Valarezo em um vídeo no canal Entre Planos). Isso ajuda a explicar porque a personagem de McDormand é incapaz de abandonar a estrada e se fixar em algum lugar, a despeito das oportunidades para fazê-lo. Contando com uma trilha sonora bela e melancólica, Nomadland inspira essas e outras reflexões, concentrando-se no elemento humano de sua narrativa e, por isso, surpreende e emociona.

Avaliação: 4/5

 

O Som do Silêncio, de Darius Marder

A vida de Ruben (Riz Ahmed), um baterista de uma banda de metal, muda subitamente quando ele percebe que está perdendo a audição. Aflito, pois a música é o seu ganha-pão, ele é forçado pelas circunstâncias a reaprender a viver com sua nova condição, enquanto anseia por recuperar sua vida antiga. Partindo dessa premissa simples, O Som do Silêncio consegue fazer o espectador experimentar o drama de Ruben por meio de sua ótima mixagem de som. Assim, em alguns momentos, tudo o que ouvimos são ruídos abafados e incompreensíveis. Em outros, o som ambiente é cuidadosamente ajustado para causar desconforto, seja pelo aumento do volume, seja pela distorção daquilo que se ouve. Focado na perspectiva de seu protagonista do início ao fim, o filme apoia-se na excelente atuação de Riz Ahmed, mas conta com um elenco secundário bastante competente. O veterano Paul Raci, por exemplo, impressiona em sua cena final, quando seu personagem diz algo que não queria dizer, tomando em seguida uma atitude que, no fundo, gostaria de não tomar, mas que o faz para se manter coerente com seus princípios e com os valores de sua comunidade. O conflito interior de Joe é visível, graças à formidável interpretação do ator. Também merece elogios Olivia Cooke, que, por meio de expressões e gestos sutis, evidencia toda a insegurança e instabilidade emocional de Lou, como quando ela coça levemente o braço sempre que sente que algo está errado. O longa, inclusive, consegue habilmente explicar aspectos importantes da história por meio de pequenos detalhes. Nesse sentido, quando faz o protagonista dizer há quanto tempo está com a namorada após dizer há quanto tempo está sóbrio, o roteiro estabelece de forma econômica a importância desta na vida daquele. Em suma, O Som do Silêncio é realmente é uma ótima surpresa, uma pérola que retrata de forma rica e envolvente a comunidade dos surdos e o sofrimento de um homem para se adaptar a uma situação adversa, contando com um dos finais mais marcantes do cinema em 2020.

Avaliação: 4,5/5

 

Os 7 de Chicago, de Aaron Sorkin

Em 1968, diferentes grupos de ativistas políticos organizaram uma manifestação contra a Guerra do Vietnã durante a Convenção Nacional do Partido Democrata na cidade de Chicago. O protesto terminou em violência e em centenas de feridos, o que resultou na acusação de sete de seus organizadores (Bobby Seale foi o oitavo acusado, mas foi posteriormente removido da lista de réus) de crimes como conspiração e incitação à revolta. Esse julgamento, que durou mais de seis meses, é retratado de forma muito cativante neste novo filme de Aaron Sorkin, o segundo em que o hábil roteirista de A Rede Social assume a direção. Sorkin, conhecido por escrever diálogos inteligentes e dinâmicos, consegue apresentar de modo muito eficiente as motivações e particularidades de cada um dos envolvidos nesse episódio histórico: os líderes da contracultura Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) e Jerry Rubin (Jeremy Strong), os membros do movimento estudantil Tom Hayden (Eddie Redmayne) e Rennie Davis (Alex Sharp), o obstinado promotor Richard Schultz (Joseph Gordon-Levitt) e o fundador do Partido dos Panteras Negras Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II). As imagens de arquivo incluídas ao longo do filme servem como um lembrete da realidade daquilo que testemunhamos, o que torna o episódio do amordaçamento de Seale ainda mais revoltante. Revelando desde cedo as razões políticas que motivaram a abertura do processo, o longa não se furta de mostrar o jogo sujo do governo e das instituições que compõem aparelho repressivo do Estado. Para aqueles que estão acostumadas a acompanhar casos como o de George Floyd, não surpreende ver a polícia abusar da força ao encurralar manifestantes e remover a identificação para espancá-los. E por falar nisso, Os 7 de Chicago também mostra como o júri popular pode ser manipulado em benefício da acusação, seja por meio da intimidação ou da exploração de preconceitos sociais. Para ampliar a galeria de elogios, também é possível citar a ótima cena em que os personagens de Sasha Baron Cohen e Eddie Redmayne, excelentes em seus respectivos papeis, discutem sobre o significado de uma política progressista e sobre suas percepções a respeito de como mudar o estado de coisas, o que nos faz avaliar a importância do legado dos movimentos de contracultura. Quanto à direção de Sorkin, ela pode ser descrita como operante, direta e sem muitas invencionices (há um plano mais longo no início do filme, mas nada demais). Talvez o aspecto mais admirável neste projeto seja sua capacidade de manter o engajamento do espectador do começo ao fim, o que é sempre desejável em filmes de tribunal.

Avaliação: 4,5/5

 

Renan Almeida é doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília. Possui mestrado e bacharelado também em Ciência Política pela mesma universidade. Apaixonado por cinema, literatura e quadrinhos, escreve resenhas e análises de filmes, livros e HQs.

Comentários

Postagens mais visitadas