Indicados a Melhor Filme - Oscar 2019

Sem revelações significativas sobre o enredo dos filmes comentados


A Favorita, de Yorgos Lanthimos

Faz um excelente trabalho em manter o espectador intrigado para o que vem a seguir. A trilha sonora contribui na criação dessa atmosfera de tensão e inquietude constante, utilizando-se de diferentes recursos, como instrumentos de corda tocando notas estridentes e repetitivas e aerofones soando em alto e bom som. A cinematografia faz bom proveito da falta de energia elétrica da época, trazendo luzes que pouco iluminam o ambiente no período noturno, transformando o deslumbrante palácio real num lugar de escuridão opressiva para qualquer um que caminhe por seus corredores de noite. Retrata bem a estratificação social da Inglaterra do século XVIII, com toda a tensão existente entre classes. As interpretações são outro ponto positivo: tanto Olivia Colman, na pele da rainha Anne, quanto Rachel Weisz, como Sarah Churchill, e Emma Stone, como Abigail Masham, estão muito bem em seus respectivos papéis. Colman entrega um trabalho cuidadoso na composição de sua personagem, desde o modo de andar, de falar, o olhar e a postura corporal, conferindo à monarca uma enorme fragilidade e vulnerabilidade. Weisz, por sua vez, traz uma Duquesa de Marlborough forte e confiante, com uma pitada de arrogância e superioridade. Stone, por fim, convence com seu sotaque britânico (pelo menos aqueles que não têm o inglês como língua nativa) e empresta seu carisma à personagem, uma jovem que, por um infortúnio, encontra-se em uma situação adversa e está disposta a tudo para dela sair. O roteiro de Deborah Davis e Tony McNamara é bastante envolvente, expondo os diferentes métodos de manipulação das “favoritas”, mas em certo momento traz a personagem de Emma Stone num monólogo algo desnecessário, em que ela se descreve e a situação na qual se encontra. Realmente gostei do filme.

Avaliação: 4,5/5

Bohemian Rhapsody, de Bryan Singer

Eis uma indicação difícil de entender. Também é difícil entender como Bohemian Rhapsody teve indicação à categoria de melhor edição. Inexplicável. A edição deste filme é ruim. Cortes numerosos, abruptos e desnecessários, sem qualquer sutileza, muitas vezes em cenas de simples conversação, tornando tudo uma bagunça. A edição sem dúvida não trabalha a favor do filme. Além disso, incomoda a idealização em torno da banda. Parece que foi a união perfeita de pessoas, como se tudo tivesse sido destinado a acontecer. Causa espanto o Brian May interpretado por Gwilym Lee dizer que eles são uma família pouco tempo após a banda ter sido efetivamente formada. Quase não vemos o desenvolvimento dessa relação fraterna entre os integrantes, e os conflitos que surgem entre eles, na maioria das vezes, são resolvidos rápida e facilmente. Para completar, o roteiro ainda coloca um “eu não poderia desafinar sem se quisesse” na boca do Freddie Mercury de Rami Malek. Muitas vezes, a câmera parece se mover sem um propósito definido, criando planos interessantes, mas sem significado. No entanto, apesar de tudo isso, Bohemian não é exatamente um filme ruim. As atuações e a caracterização geral são boas. De início, a prótese dentária utilizada por Malek chegou a incomodar, mas da metade para o final do filme já havia me acostumado. O ator consegue emular muito bem a forma como Freddie se movia no palco, também se saindo bem nas cenas com maior carga dramática. Os demais atores estão praticamente iguais aos seus correspondentes do Queen na vida real. As mudanças na ordem cronológica dos acontecimentos não me incomodaram, penso até que funcionaram bem dentro da história contada.

Avaliação: 3/5

Green Book: O Guia, de Peter Farrelly

Filme bastante simples, com uma mensagem óbvia de tolerância, mas infelizmente ainda necessária. Retrata o funcionamento do regime de segregação racial nos Estados Unidos vigente até o final dos anos 1960. O principal atrativo do longa é o desenvolvimento da relação entre os dois personagens centrais, o motorista branco, descendente de italianos, Tony Lip, vivido por Viggo Mortensen, e o músico negro Don Shirley, interpretado por Mahershala Ali. Mortensen vive Tony Lip com uma naturalidade impressionante, o personagem parece até ter saído de um episódio de The Sopranos. Apesar de ser um malandro (ou talvez justamente por isso), Tony é o tipo de cara que é sempre bom ter por perto para resolver qualquer situação complicada. No entanto, a brutalidade do sujeito nem sempre é a melhor solução para os problemas que a dupla enfrenta, e, nesse sentido, o Dr. Shirley tem muito mais a ensinar. Vivido por Mahershala Ali com imensa sensibilidade, Shirley é um homem que não é aceito pela elite branca para a qual se apresenta por ser negro, mas tampouco consegue se relacionar com os negros, principalmente por ter tido acesso a uma educação diferenciada, uma possibilidade vedada à maioria das "pessoas de cor" da época, o que faz dele um homem bastante solitário. Se a princípio o vemos surgir esbanjando segurança e autoconfiança, vestido em seu apartamento como um "rei africano", como o próprio Tony o descreve, conhecemos seu lado vulnerável ao longo da projeção, ao entendermos seu propósito e seus conflitos pessoais. O roteiro consegue prender a atenção do espectador ao longo das duas horas e dez minutos justamente por meio da dinâmica entre Tony e Shirley e o que um é capaz de ensinar ao outro. Mas mesmo contendo uma mensagem importante, o filme jamais sai do lugar comum, mostrando como a segregação tolhia a liberdade dos afro-americanos, tornando necessária a criação de um "livro verde", indicando locais seguros para circulação de pessoas negras, ao mesmo tempo em que adota um tom otimista, com o intuito de fornecer uma visão esperançosa para o problema racial nos EUA. No final, o que sobra é uma história leve, que pouco acrescenta de reflexão em relação às questões que apresenta.

Avaliação: 3,5/5

Infiltrado na Klan, de Spike Lee

Este é um filme importante. Principalmente em um período em que é possível ver supremacistas brancos marcharem por grandes cidades americanas, contando inclusive com a conivência do próprio presidente dos Estados Unidos. Infiltrado na Klan tem o mérito de representar os racistas como pessoas de capacidades cognitivas limitadas, incapazes de qualquer outra coisa que não o ódio. Mas é essa mesma limitação que torna essas pessoas tão perigosas, especialmente em um país onde o acesso a armas de fogo é facilitado. O filme também mostra, de maneira muito direta e eficiente, como esses indivíduos chegam mesmo a ocupar cargos importantes dentro do Estado. Contando com uma ótima trilha sonora, que pontua bem os momentos certos da história, o diretor Spike Lee conduz a narrativa com maestria, controlando o ritmo com cuidado para que o filme não se torne cansativo e arrastado. John David Washington se sai admiravelmente bem, e é satisfatório ver a evolução de seu personagem, que vai ganhando confiança durante o desenrolar da trama. Adam Driver também não decepciona na pele do detetive Philip Zimmermann. É bacana ver como o personagem descobre sua identidade, quando uma característica sua que nunca havia feito diferença passa de repente a fazer. Apesar de tratar de um tema muito sério, Infiltrado na Klan se permite fazer isso utilizando-se do humor, expondo ao ridículo a mania de superioridade dos supremacistas brancos, que acreditam em uma pureza racial fantasiosa e no retorno a uma "heartland" que jamais existiu. Além disso, o filme ainda é eficiente em mostrar o reflexo das questões políticas e sociais da época nos dias de hoje. É com um sorriso amarelado que o espectador ouve o policial Ron Stallworth dizer que alguém como David Duke jamais seria presidente dos EUA. E é com desolada aquiescência que ouve outro policial lhe responder que, se ele pensa dessa forma, então é realmente muito inocente. A edição faz um trabalho fenomenal ao mesclar cenas de uma cerimônia da KKK à reação dos ouvintes de um relato de linchamento de um jovem negro, deixando claro os sentidos do "white power" e do "black power", respectivamente. Enquanto este é quase um grito de sobrevivência, aquele é a expressão de uma superioridade fajuta. Embora Spike Lee nos permita alguma catarse ao final do filme, ele não nos permite ir embora com tal sensação de resolução. Assim, Infiltrado na Klan se encerra com uma porrada no estômago do espectador. A mensagem do filme, entretanto, acaba soando um pouco ambígua, como se a questão da violência policial contra a população negra pudesse ser resolvida com a simples remoção das "maçãs podres", quando o problema, na verdade, é muito mais sistêmico. Talvez tal resultado se deva ao fato de o roteiro ter sido escrito a partir do livro do verdadeiro Ron Stallworth, o policial negro que se infiltrou na KKK nos anos 1970.

Avaliação: 4/5

Nasce Uma Estrela, de Bradley Cooper

Boa atualização de uma história que já foi contada várias vezes, em momentos históricos diferentes. Em sua primeira experiência como diretor, Bradley Cooper surpreende com um trabalho acima da média, trazendo boas atuações e canções bacaninhas. Como ator, Cooper também faz um trabalho competente, compondo seu Jackson Maine como um homem de olhar distante e vazio, anestesiado com a vida que leva, mas que logo ganha vitalidade ao encontrar Ally (vivida por Lady Gaga). Mesmo assim, sua voz grave é sempre arrastada, como se estivesse o tempo inteiro sob o efeito do álcool. Seu problema com a bebida e com a audição realmente comovem o espectador, que é levado a simpatizar com o personagem por sua relação conturbada com o pai e por sua solidão mesmo sendo adorado por multidões, que o tratam como se ele não fosse uma pessoa de carne e osso. Lady Gaga, por sua vez, se sai excepcionalmente bem como atriz, vivendo Ally como uma mulher acostumada às frustrações do mundo do entretenimento. Dona de uma bela voz, mas que vê sempre as oportunidades serem fechadas para si por conta de sua aparência, ela parece conformada à ideia de que não terá um espaço no mundo do espetáculo e por isso responde com um "tenho que trabalhar" a um convite único feito por Maine, que qualquer jovem cantora não hesitaria em aceitar. O público é perfeitamente capaz de sentir seu nervosismo ao ser chamada ao palco, mas a atriz ainda faz uso de algumas muletas de interpretação que tiram um pouco o brilho de seu trabalho de atuação, como levar as mãos ao rosto para representar o constrangimento de sua personagem. Não obstante, Lady Gaga mostra que pode ser tão boa atriz como é cantora. O fato de as apresentações mostradas no filme terem sido gravadas em festivais de verdade é mais um elemento a ser elogiado em Nasce Uma Estrela, e a diferença que essa escolha faz pode ser sentida quando se compara a sequência final de Bohemian Rhapsody, que reproduz o Live Aid, a qualquer trecho musical do novo projeto de Bradley Cooper. As canções compostas para o longa no geral são boas, mas a única realmente memorável é justamente "Shallow", que concorre na categoria de melhor canção. Por último, não é possível falar de Nasce Uma Estrela sem mencionar a atuação de Sam Elliot como Bobby. Mesmo sem vermos o desenvolvimento de sua relação com Jackson, somos perfeitamente capazes de compreender a dedicação que ele tem e o afeto que nutre por este. Ator experiente, Elliot consegue transmitir o sentimento vivido pelo personagem pelo simples olhar, e um exemplo desse talento pode ser encontrado em uma cena próxima ao final do filme.

Avaliação: 4/5

Pantera Negra, de Ryan Coogler

Esta indicação foi uma surpresa. Trata-se de um bom filme, com um roteiro eficiente e um design de produção admirável. O visual de Wakanda é muito rico, incorporando os arranha-céus típicos das grandes cidades desenvolvidas à simplicidade dos pequenos povoados. O figurino é cuidadosamente elaborado, trazendo variadas cores e elementos tradicionais da cultura africana. Cada tribo que compõe o reinado possui seu próprio esquema de cor e suas características próprias. Michael B. Jordan, trabalhando mais uma vez com o diretor Ryan Coogler, traz uma performance intensa, vivendo um dos vilões mais marcantes dos filmes de heróis nos últimos tempos. Seu Killmonger tem profundidade, uma motivação convincente e uma revolta compreensível, que o ator entrega com muita energia e verdade. É um bom filme de origem, embora se situe dentro de uma franquia estabelecida. O T'Challa de Chadwick Boseman possui um arco narrativo bem definido: o personagem começa a história de determinada forma e termina mudado. O restante do elenco segue o mesmo padrão de qualidade. O roteiro, escrito por Coogler e Joe Robert Cole, fornece espaço para o desenvolvimento dos personagens mais importantes, embora não aprofunde o relacionamento existente entre Okoye (Danai Gurira) e W'Kabi (Daniel Kaluuya). Também é impossível não chegar à conclusão de que o Everett Ross de Martin Freeman está sobrando por ali, fazendo o espectador pensar que sua presença nos eventos finais do filme seja apenas para cumprir a cota de brancos no longa. Há uma ótima cena de ação na metade do filme, realizada em planos mais longos, contrastando com o caos que costuma caracterizar as cenas de ação das produções da Marvel, com um excesso de cortes que permite uma coreografia menos elaborada e confere dinamismo à sequência, mas muitas vezes acaba apenas criando uma bagunça visual. Contudo, infelizmente ainda há sequências desse tipo em Pantera Negra, que ainda conta com efeitos visuais que dificilmente envelhecerão bem. Mesmo tendo produzido uma versão física do uniforme do herói, a Marvel insiste em substituí-lo por computação gráfica, como tem feito em outras de suas produções. O resultado é a falta de verossimilhança típica que os modelos digitais trazem consigo.

Avaliação: 4/5

Roma, de Alfonso Cuarón

Pelo menos três diretores mexicanos têm se destacado em Hollywood nos últimos anos. Alfonso Cuarón é um deles. Em Roma, ele demonstra todo o seu virtuosismo e o que o situa entre um dos diretores atuais mais prestigiados. Contando uma história um tanto banal, o diretor se destaca por seu apuro técnico. Atuando também como diretor de fotografia, Cuarón realiza planos-sequência belíssimos, movendo a câmera com enorme sutileza, tornando o espectador quase um observador participante daquilo que é exibido em tela. O perfeccionismo do mexicano é evidente no planejamento minucioso de cada enquadramento. Sem dúvidas, Roma é um filme que pode entediar algumas audiências, mas é praticamente impossível não reconhecer sua grandiosidade. É impressionante pensar em como o diretor conseguiu manter o controle sobre tantos elementos em cena. A atriz Yalitza Aparicio compõe a protagonista como uma mulher acostumada a ter de baixar a cabeça, uma entre as muitas outras mulheres de sua etnia submetidas ao trabalho doméstico em casas de classe média. É muito sugestivo o momento em que Cleo é vista no telhado da casa trabalhando na lavagem das roupas da família, enquanto a câmera percorre os arredores apenas para encontrar várias outras mulheres na mesma situação. À semelhança do que ocorre no Brasil e em outros países da América Latina, Roma evidencia como o trabalho doméstico no México é permeado por relações de informalidade e cumplicidade entre empregada e patrões, uma relação complexa que esconde diferentes níveis de exploração. O filme também aborda diferentes temas sem precisar fazer muito alarde deles, como o abandono afetivo de mulheres pelos homens, as diferenças de classe e os limites da relação de amizade entre empregada e patrões. Não importa o quanto Cleo for querida por sua patroa, ela sempre será o bode expiatório para os acessos de raiva desta, sempre será alguém em quem frustrações diversas podem ser descontadas.

Avaliação: 4,5/5

Vice, de Adam McKay

A caracterização de todos os atores neste filme está fantástica. Vi recentemente um comparativo entre os atores de Vice e os personagens reais da história contada no longa, e realmente não há o que dizer: Christian Bale está idêntico ao ex vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, e provavelmente ninguém havia imaginado que Sam Rockwell pudesse parecer tanto com George W. Bush (fora os demais intérpretes, que não terei tempo de comentar aqui). As performances também não deixam a desejar: estão todas no lugar. O roteiro de Adam McKay é bastante didático, utilizando-se de comparações e de um humor ácido para explicação de questões complexas, assim como fez em seu projeto anterior, A Grande Aposta, de 2015. A montagem, dinâmica sem ser caótica, confere um bom ritmo ao filme, mantendo o espectador engajado com o desenvolvimento da narrativa. O diretor, perspicaz, ainda acrescenta metáforas visuais bem interessantes. Vice mostra, entre outras coisas, como a Guerra do Iraque foi forjada, atendendo a interesses políticos e econômicos dos EUA, evidenciando, inclusive, a contribuição do país na criação do Estado Islâmico (sim, o ISIS também é American Made). É um filme muito eficiente na abordagem de seus temas, deixando cristalino como, no final das contas, é tudo sobre poder, e é marcante nesse sentido a cena em que Cheney pergunta a Donald Rumsfeld (vivido por Steve Carell) no que eles acreditam, ao que este responde com uma estrondosa gargalhada. Muitos podem dizer que se trata de um filme maniqueísta, e, em certo sentido, de fato, ele é um pouco, mas, antes de tudo, o longa aborda fatos já bem conhecidos atualmente, algo que é afirmado em uma engraçada (mas talvez desnecessária) cena durante os créditos finais. Também é pertinente dizer que o filme perde um pouco do bom ritmo perto do final da projeção, estendendo-se algo além do que deveria. Em suma, é um ótimo filme para levantar discussões políticas, e, sendo eu um cientista político, sinto-me bastante inclinado a abordar esses aspectos em texto independente.

Avaliação: 4/5


Renan Almeida é doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília. Possui mestrado e bacharelado também em Ciência Política pela mesma universidade. Apaixonado por cinema, literatura e quadrinhos, escreve resenhas e análises de filmes, livros e HQs.

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