Blade Runner 2049 (2017)
Blade
Runner 2049 (2017), longa-metragem dirigido por Denis
Villeneuve, escrito por Hampton Fancher e Michael Green, com atuações de Ryan
Gosling, Harrison Ford, Ana de Armas, Sylvia Hoeks, Jared Leto, entre outros.
Sem
revelações significativas do enredo.
O
Blade Runner dirigido por Ridley
Scott é hoje, indiscutivelmente, um clássico da ficção científica. Possuindo
diferentes versões desde o seu lançamento, o filme já teve até o seu final
alterado. A versão original exibida nos cinemas, por exemplo, contava com uma
narração de Deckard (personagem de Harrison Ford) e sobras de tomadas aéreas de
O Iluminado (1980), além de um “final
feliz” imposto pela Warner Brothers. Os demais cortes excluíram algumas cenas e
incluíram outras. O último deles, contudo, foi o chamado The Final Cut, lançado em 2007, que, ao contrário do denominado Director’s Cut, de 1992, foi o único em
que Ridley Scott teve completo controle artístico, sendo considerada a versão
definitiva do filme. Essas duas últimas versões, inclusive, foram as
responsáveis por trazer uma dúvida sobre a natureza do protagonista que até
hoje intriga os fãs.
Os
planos para a realização de um filme derivado de Blade Runner existem pelo menos desde o início dos anos 2000, mas
foram frustrados por diferentes motivos. Em 2015, porém, uma continuação foi
oficialmente anunciada sob a direção de Denis Villeneuve, responsável pelos
ótimos Os Suspeitos (2013) e A Chegada (2016). Como nesses dois
projetos, o cineasta canadense é extremamente eficaz na criação da atmosfera. Dessa vez,
acompanhamos o policial K (Ryan Gosling), do Departamento de Polícia de Los
Angeles, investigar um caso cujos desdobramentos podem mudar significativamente
a sociedade, possivelmente trazendo a ela o caos completo. A história,
portanto, se passa trinta anos após os eventos do primeiro filme. Os androides
do modelo Nexus-6 foram descontinuados, e a empresa que os criou, a Tyrell
Corporation, foi à falência, tendo sido comprada pela companhia de Niander
Wallace (Jared Leto), que passou a produzir novos modelos de replicantes. Assim,
tanto a polícia de Los Angeles quanto Wallace estão interessados no desenrolar da investigação.
Respeitando
o tempo inteiro o filme original, esta sequência faz jus ao excelente design de produção visto no longa de
1982. A cidade de Los Angeles é construída como uma metrópole gigantesca e
caótica, abarrotada de letreiros luminosos e hologramas interativos, onde
parece chover o tempo inteiro. O conceito de selva de concreto encontra aqui sua
operacionalização. Como basicamente apenas os trabalhadores e os mais desafortunados
(em todos os sentidos da palavra) permaneceram na Terra, vemos anúncios
animados de produtos sexuais e prostituição por todos os lados. Essa megalópole
retrofuturista é como uma versão piorada da Nova Iorque dos anos 1970, que
vemos em filmes como Taxi Driver
(1976), Mean Streets (1973) e The Warrios (1979). Todo o conceito
original do Blade Runner de 1982 é
mantido e aprimorado. Não somente o design
da cidade de Los Angeles é belo e impressionante, mas todos os cenários do
filme, desde a sala de Wallace até as ruínas de Las Vegas, proporcionando, com
isso, uma imersão profunda naquele universo. Algo que é acompanhado pela
excelente edição e mixagem de som, que criam uma Los Angeles extremamente
barulhenta. A também ótima trilha de Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch é
utilizada competentemente na construção do clima crescente de tensão.
Trabalhando
mais uma vez com o diretor de fotografia Roger Deakins, Villeneuve conta a
história sem pressa, com planos longos o suficiente para a contemplação do
espectador. A presença dos enormes billboards
por toda a cidade permite a realização de um bom trabalho com as cores. Assim,
o contraste entre a Los Angeles conturbada (na qual predomina uma paleta mais
azulada) e as ruínas de Las Vegas (imersa numa paleta amarelada) é evidente,
bem como a calmaria do branco da neve ao final do filme. São constantes os
planos em que diferentes personagens encaram suas próprias mãos, merecendo
destaque a rima visual entre duas cenas em momentos distintos da projeção, que
envolvem ora a personagem de Ana de Armas, ora o de Ryan Gosling. As mãos
deste, aliás, estão frequentemente sujas, numa metáfora clara sobre o trabalho
dos caçadores de androides.
O
roteiro assinado por Hampton Fancher e Michael Green é conciso, chegando até a
aproveitar a oportunidade para dar uma pincelada em questões pertinentes do
mundo contemporâneo, como o trabalho infantil que alimenta a produção de mercadorias
de alta tecnologia. É curioso, a propósito, que isso apareça justamente em um
filme de produção da Columbia Pictures, da Sony, já que esta (junto com a Apple
e a Samsung) foi acusada pela Anistia Internacional de conivência com o
trabalho infantil. Considerando também o quanto asiáticos estão presentes nas
grandes metrópoles americanas no universo imaginado por Blade Runner, uma crítica à China não pode ser descartada. De todo
modo, o roteiro é eficaz ao trazer novos personagens a um universo já
estabelecido e fazer o espectador acreditar e se importar com eles. O filme
ainda conta com uma cena que muito me lembrou de uma presente em Ela, de 2014. Há também alguma
semelhança com o longa de Spike Jonze (o qual se passa na mesma cidade num
futuro próximo) no que diz respeito a certos temas abordados.
Com
um roteiro bem construído em mãos, Villeneuve mostra-se bastante à vontade para
trabalhar mais uma vez com a ficção científica. Com um ritmo e planos muito
similares aos da obra original, o cineasta não deixa de nos apresentar um filme
seu, o que fica evidenciado pela presença da mesma atmosfera melancólica que
caracteriza, por exemplo, A Chegada. O
único deslize de Blade Runner 2049 é
a inserção de falas repetidas para reforçar o entendimento de determinados
elementos da narrativa, o que contrasta um pouco com a sutileza presente
durante todo o filme. Isso, no entanto, chega a ser insignificante perto do
poço de qualidades que ele apresenta.
Uma
delas, diga-se de passagem, é o seu ótimo elenco. Ryan Gosling entrega
satisfatoriamente os momentos-chave de K, que compõe com um andar cauteloso e
um olhar sem esperança, enquanto Ana de Armas consegue conferir à sua Joi uma
humanidade impressionante. Sylvia Hoeks e Jared Leto, por sua vez, constroem
Luv e Wallace como figuras complexas, transmitindo verdade em suas motivações. Já
Harrison Ford, mais uma vez ressuscitando um título clássico e de peso, não
evita, em um momento ou outro, interpretar sua própria persona, mas seu Deckard
segue silencioso e contido, como no primeiro filme. De todo modo, sua simples
presença já põe um sorriso no rosto do espectador.
Em
síntese, Blade Runner 2049 é uma
sequência que mantém a essência do original e, ao mesmo tempo, traz o novo.
Dirigido por um cineasta com um currículo admirável, o filme jamais se torna
cansativo, apesar dos seus 163 minutos. Sem dúvida alguma, a sala de cinema
proporcionará uma experiência muito melhor que a do home video, principalmente pelos aspectos sonoros deste longa, que
são excelentes. Felizmente, este Blade
Runner não precisará de ajustes e diferentes versões para conhecermos
completamente suas qualidades.
Avaliação:
5/5
Originalmente publicado no extinto site Papo Torto, em 4 de outubro de 2017.
Renan Almeida
é doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília. Possui mestrado e
bacharelado também em Ciência Política pela mesma universidade. Apaixonado por
cinema, literatura e quadrinhos, escreve resenhas e análises de filmes, livros
e HQs.
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