O estranho que nós amamos (1971)

O estranho que nós amamos (1971), longa-metragem dirigido por Don Siegel, escrito por Albert Maltz e Irene Kamp, com atuações de Clint Eastwood, Geraldine Page, Elizabeth Hartman, Jo Ann Harris, entre outros.

Sem revelações significativas do enredo

            Durante a Guerra Civil nos Estados Unidos, um soldado nortista ferido é encontrado e acolhido por um internato feminino confederado. Diante da inusitada presença do inimigo, a diretora da instituição toma a complicada escolha de tratar do soldado abatido antes de entregá-lo para as forças militares confederadas, para evitar, assim, sua morte na prisão.
            É a partir desta premissa que O estranho que nós amamos, de Don Siegel, se desenvolve. Se, por um lado, vemos o ianque John McBurney (Clint Eastwood) utilizar-se dos seus meios para se aproveitar da situação, também vemos, por outro, sua presença causar nas mulheres e garotas do internato efeitos variados, como o despertar de uma sexualidade reprimida. A versão que McBurney conta para a diretora Miss Martha (Geraldine Page) dos fatos que o levaram até ali contrasta diretamente com o que vimos nos flashbacks. Ambos os personagens possuem segredos e intenções ocultas. No caso de Miss Martha, seu segredo mais grave já é revelado nos primeiros minutos de filme, sem qualquer suspense ou parcimônia.
            Nesse sentido, falta ao longa sutileza para entregar ao espectador a exposição necessária para o aprofundamento na história contada. Intenções, desejos e receios dos personagens são revelados por meio de comentários em off que tomam a forma de pensamentos, como se costuma fazer nas telenovelas. Tal recurso evidencia de imediato a natureza da obra na qual o roteiro de Albert Maltz e Irene Kamp se baseia. Trata-se, pois, de um romance de Thomas P. Cullinan, cujo título original é A Painted Demon (1966). O filme é pouco sutil mesmo nas metáforas que emprega, algo que acontece quando, por exemplo, os devaneios de Miss Martha remetem à Ressurreição de Lázaro, de Caravaggio, aqui significativamente modificada. O mesmo se dá em relação à metáfora da castração. O personagem de Clint Eastwood, ao descobrir o que lhe aconteceu após um incidente perto do final da trama, chega mesmo a gritar “antes tivessem me castrado!”. Esses e outros momentos evidenciam como o filme parece subestimar a inteligência de seu público, fazendo questão de explicar e esclarecer pontos que melhor funcionariam se fossem apenas sugeridos ou mesmo ocultados, de modo a criar um clima de tensão e suspense dignos de uma história dessa natureza.
            O estranho que nós amamos aborda os temas da sexualidade reprimida, do pecado e da tentação. A repressão da sexualidade pela religião, no lugar de inibir a libido, ao não permitir que o desejo sexual se expresse livremente, contribui para que este rompa com maior intensidade quando surge a ocasião. Isso faz com que os personagens tomem decisões que poderiam ser consideradas pouco racionais, como (no caso de McBurney) permanecer na casa mesmo após os incidentes que nela têm lugar, mentir ao exército confederado para abrigar um soldado inimigo (como faz Miss Martha) e perdoar um amante mesmo quando suas ações não merecem perdão (como faz Edwina). Em outras palavras, é como se a libido exacerbada daqueles personagens guiasse seus comportamentos. É claro que cada caso de abstinência é provocado por diferentes fatores: no caso dos soldados, é a guerra a sua causadora, enquanto no internato são justamente as normas religiosas e a falta da presença masculina.
            É válido questionar, também, se as moças da casa de instrução estão realmente seguras com a guarda do exército confederado. Por mais que este atue em prol do mesmo projeto de país em relação ao qual elas fazem parte, ainda é composto por homens que há muito não interagem com mulheres.
            A atuação que mais merece destaque é a de Geraldine Page, que dá vida a uma Miss Martha misteriosa, firme e por vezes até intimidadora. Se o cabo McBurney tenta, de várias maneiras, manipular as mulheres que habitam o casarão, a personagem de Page não fica para trás, sendo capaz de continuar exercendo seu controle sobre aquelas moças mesmo após diferentes episódios desagradáveis.
            No final das contas, O estranho que nós amamos parece nos dizer que é muito difícil (se não impossível) abandonarmos determinados papéis e posições na sociedade.

Avaliação: 3/5


Renan Almeida é doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília. Possui mestrado e bacharelado também em Ciência Política pela mesma universidade. Apaixonado por cinema, literatura e quadrinhos, escreve resenhas e análises de filmes, livros e HQs.

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