Jogador Nº 1 (2018)
Jogador
Nº 1 (2018), longa-metragem dirigido por Steven Spielberg
e escrito por Zak Penn e Ernest Cline, com atuações de Tye Sheridan, Olivia
Cooke, Ben Mendelsohn, Mark Rylance, Simon Pegg, entre outros.
Sem
revelações significativas do enredo.
No ano de 2045
concebido em Jogador Nº 1, a
realidade é tão deprimente que quase a totalidade da população gasta seu tempo
em um mundo de realidade virtual chamado OASIS. Nele, o único limite é a
própria imaginação dos jogadores. Quando o criador dessa tecnologia morre,
inicia-se uma caça ao tesouro escondido por ele no mundo digital. Quem
encontrar tal tesouro será agraciado com a propriedade da empresa
multibilionária responsável pela realidade simulada.
Sem dúvida alguma, Jogador Nº 1, junto de Scott Pilgrim Contra o Mundo (2010), é
uma das melhores homenagens aos videogames e à cultura pop já feitas. O curioso
é observar que nenhuma das duas obras é adaptação de algum jogo específico.
Enquanto uma se baseia nos quadrinhos de Bryan Lee O'Malley, a outra tem como
base o romance de Ernest Cline. Abrindo com músicas dos anos 80, o novo filme
de Steven Spielberg indica já nos primeiros minutos a atmosfera de nostalgia
que guiará toda a história. Nesse sentido, o longa é quase um jogo de
“identifique a referência”, já que traz menções a diversas obras do universo
dos games, quadrinhos, música e cinema. É possível prever listas quase
intermináveis de easter eggs
escondidos no filme.
Com relação ao enredo,
o espectador acompanha Wade Watts (Tye Sheridan), um jovem que vive em uma
comunidade pobre com a tia e o namorado low-life
desta e passa a maior parte do tempo conectado ao OASIS. Ele assume a
identidade de Parzival e, com a ajuda de Art3mis e de seu melhor amigo Aech,
busca desvendar os enigmas deixados por James Halliday (Mark Rylance), o
criador do mundo imaginário. Como se vê, Jogador
Nº 1 possui uma estrutura bastante simples, com uma narrativa que jamais
foge do convencional. Em diferentes momentos, conta com uma exposição
excessiva, que surge de maneira totalmente inorgânica e sem sentido, muitas
vezes na forma de um personagem enunciando uma informação que já deveria ser de
conhecimento de outro. E talvez esse seja o menor dos problemas do roteiro, que
falha ao tentar conferir a seus protagonistas qualquer profundidade. Os pais de
Samantha (Olivia Cooke) morreram, mas o acontecimento é referido quase que
aleatoriamente, com a única função de estabelecer, de maneira desleixada, sua
motivação. Quando, por outro lado, uma tragédia ocorre na vida de Wade, este
não possui praticamente nenhuma reação, o que remove todo o impacto que o
acontecimento poderia ter causado. Pelo contrário, o evento é percebido como
desprovido de importância.
Apesar de previsível e
inevitavelmente esbarrar em problemas lógicos (como, por exemplo, o fato de a
ideia de Halliday ser um tanto estúpida e irresponsável, a polícia só aparecer
quando é conveniente – onde estão as leis? – e ninguém mais parecer estudar ou
trabalhar), o roteiro de Zak Penn e do próprio Cline é ao menos eficiente ao
estabelecer a dinâmica entre os personagens. Isso também é mérito das atuações
(nada extraordinárias, mas competentes) de Sheridan, Cooke e Lena Waithe,
principalmente. Ben Mendelsohn, na pele do empresário Nolan Sorrento, faz um
vilão genérico (cuja maior motivação é poder), mas que pelo menos diverte com
sua inépcia (como o fato de possuir uma senha ridícula e precisar mantê-la
anotada num pedaço de papel). Simon Pegg, por sua vez, está no filme quase como
um extra.
No
entanto, conta a favor de Jogador Nº 1
a direção de Spielberg, que mantém a boa forma vista no bom The Post: A Guerra Secreta, de 2017. O
diretor emprega música pop em diversos momentos, mas usa com sabedoria a trilha
de Alan Silvestri, cuja presença neste no projeto, inclusive, é quase um easter egg à parte, já que ele esteve
por trás da música de diversos clássicos modernos, como a trilogia De Volta Para o Futuro (1985-1990).
Deve-se destacar também a inserção da trilha de Wendy Carlos e Rachel Elkind,
de O Iluminado (1980), em uma
sequência que homenageia o clássico de Kubrick. A reconstrução do Overlook
Hotel, aliás, é de encher os olhos de qualquer admirador do diretor
conhecidamente perfeccionista.
Além
disso, os efeitos visuais do filme são muito bons. O OASIS é concebido como um
lugar no qual o espectador realmente deseja estar, inúmeras as possibilidades
que oferece. Os trailers empilhados
dos bairros pobres constituem um conceito interessante, assim como o refúgio do
protagonista em meio a um ferro velho. O 3D é mais bem empregado aqui do que
costuma ser em outras produções, mas não é, de modo algum, imprescindível. As
cenas de ação são bastante caóticas, mas trata-se de um caos controlado, o que
é mais um mérito de Spielberg.
Em
síntese, Jogador Nº 1 é um filme com
roteiro problemático (principalmente quando se pensa muito nele), mas com um
valor de entretenimento tão grande que consegue, de certo modo, compensar suas falhas.
Quanto mais o espectador conhece as obras referenciadas, mais se engaja na trama
e se diverte com esta, pois é recompensado por seu conhecimento (de modo
parecido com o que acontece no filme). Contudo, mesmo alguém não muito ligado à
cultura pop (algo bastante incomum nos dias de hoje) é perfeitamente capaz de
se divertir e aproveitar o longa.
Avaliação:
3,5/5
Originalmente publicado no extinto site Papo Torto, em 29 de março de 2018.
Renan Almeida
é doutorando em Ciência Política na Universidade de Brasília. Possui mestrado e
bacharelado também em Ciência Política pela mesma universidade. Apaixonado por
cinema, literatura e quadrinhos, escreve resenhas e análises de filmes, livros
e HQs.
Comentários
Postar um comentário